SÊ BEM-VINDO ! SÊ BEM-VINDA ! YOU ARE WELCOME !

terça-feira, 24 de julho de 2018

Voluntariado: exploração encapotada


"Na sua versão não adulterada, é isso o voluntariado: a realização de trabalho segundo uma lógica não-mercantil, motivado por valores de reciprocidade, solidariedade ou dedicação a causas. Isto é não só respeitável como extraordinariamente positivo: recorda-nos que a satisfação e realização que obtemos do trabalho, da transformação activa do mundo, não se esgota na remuneração que recebemos em troca do esforço e que há valores para lá dos valores de troca.

Mas para que tudo isto seja respeitável e positivo não basta que o trabalho seja desmercadorizado, prestado sem contrapartida de remuneração; é também necessário que esse trabalho não concorra para a produção de mercadorias que darão lucros a outros. Caso contrário, não é mais do que um caso extremo de exploração: não um verdadeiro voluntariado, mas trabalho remunerado a preço zero. E o trabalho remunerado a preço zero é, e muito bem, proibido por lei, independentemente de eventualmente reunir o acordo formal das duas partes. Facilmente se percebe que o voluntariado pode ser uma forma de contornar a legislação laboral, pelo que tem de ser adequadamente regulado e fiscalizado.

Nos últimos anos têm-se generalizado os eventos, da Web Summit ao Estoril Open ao Rock in Rio, que fazem assentar boa parte da sua estrutura no recurso ao trabalho de voluntários. Estes voluntários desempenham a custo praticamente nulo uma grande diversidade de tarefas essenciais para a viabilização de eventos que estão muito longe de ter uma lógica não mercantil. O preço dos ingressos nalguns deles é espectacularmente elevado e os lucros realizados pelas empresas que estão por detrás deles também. O recurso ao trabalho voluntário é nestes casos uma adulteração torpe do espírito do voluntariado: um mecanismo de exploração encapotada, assente em engodos como a aquisição de experiência ou o acesso aos próprios eventos."

Alexandre Abreu 

Sem comentários: