Fazer Street Art é, só por si, um ato político. É afirmar que o espaço coletivo é de fato coletivo; deve ser apropriado por todos os membros da comunidade que nele queiram intervir. Trata-se, portanto, de uma afirmação de pleno direito contra a tentativa de controle e sonegação da coisa pública por parte dos poderes político e económico. As elites sempre tentaram regulamentar o que acontece nas ruas, com o objetivo de proibir o que não lhes convém, o que as pode pôr em causa. Através da proibição e da censura, atenta-se contra os princípios da liberdade e da democracia. Participar na construção sempre dinâmica dos cenários públicos é renovar a democracia, é um exercício de cidadania.
Temos demonstrado muita reserva em declarar os propósitos da nossa Street Art porque não temos a arrogância de querer determinar o que as pessoas devem pensar ou sentir. Para isso já existe a publicidade comercial e a propaganda ideológica e dirigista dos habituais meios de comunicação de massas. Temo-lo dito diversas vezes: fazer Street Art não é o mesmo que escrever um panfleto que se distribui à porta do metro. Ambos são necessários, mas são meios de expressão diferentes na forma e nos objetivos.
Relativamente às nossas motivações ao fazer Street Art, as nossas declarações devem ser contidas para não inibirmos quem anda na rua, para mantermos o campo de significações o mais aberto e livre possível. É importante não desmancharmos o véu que encobre a imaginação de quem se cruza com os nossos trabalhos, no sentido de que todas as pessoas se sintam suficientemente à vontade para realizar as suas próprias leituras, cada uma à sua maneira, que, como também já dissemos, é sempre a maneira correta.
Neste sentido, o que podemos dizer é que se um caminhante reparar nas nossas intervenções já nos damos por satisfeitos. Se o fizer com um sorriso, melhor. Se para além disso a nossa obra o puser a pensar, ficaremos verdadeiramente satisfeitos.
Entendemos que nas sociedades humanas a riqueza está escandalosamente mal distribuída. Como é possível que 8% da população adulta mundial detenham 79,2% da riqueza total, restando apenas 20,8% para os demais 92% de seres humanos (ainda por cima também estes partilhando as sobras entre si de uma maneira muito desigual)? Acresce que a globalização capitalista apenas tem acentuado essas desigualdades. Uma pessoa e um povo com menos rendimentos serão necessariamente pessoas e povos com menos acesso à cultura, à saúde, ao exercício da sua cidadania,... terão pior qualidade de vida e viverão por menos tempo. É a antítese da democracia. Com efeito, sem democracia social não há democracia política.
Ao mesmo tempo, este sistema económico predador da natureza e gerador de desigualdades e injustiças entre os seres humanos, fomenta nos indivíduos uma sensação de incompletação que procura ser compensada pela aquisição vazia de bens de consumo, na sua grande maioria, supérfluos. Precisaremos nós de viver tão rodeados de objetos descartáveis, de sorvermos com tanta sofreguidão um materialismo insaciável que nos afasta do que é realmente essencial na nossa existência?
Estas são as nossas interrogações. E é com interrogações que avançamos para o espaço público. Quem está à espera de respostas fáceis messiânicas não as encontrará com certeza nem na nossa obra nem nas nossas intenções. Partilhamos dúvidas acutilantes e respostas incompletas, com a humildade óbvia de quem percorre uma vida efémera. Queremos contribuir para o debate, e todos os cidadãos que desejem participar são bem-vindos. Na rua, naturalmente, porque ensina-nos a História das civilizações que é no espaço público que a democracia verdadeiramente acontece e que as mudanças se iniciam.
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