"As nacionalizações foram temidas, em Portugal, pelos ricos e poderosos desde a Revolução de Abril; foram revertidas pelas décadas de privatizações neoliberais, logo a partir do primeiro cavaquismo; foram olhadas como um papão, ou tabu que mais valia silenciar, mesmo à esquerda, para evitar rótulos de «negação passadista e meramente ideológica da economia mista». Definidas como «apropriação por um Estado de uma indústria ou outra actividade económica anteriormente explorada por uma entidade privada», segundo os dicionários, elas pareciam destinadas a desaparecer, nos tempos mais próximos, como proposta política. Não por acaso, a governação austeritária recuperou-as no sector bancário, só quando está iminente uma situação de falência mas abdicando alegremente de ter um papel activo, quer na gestão das empresas em que investe fundos públicos, quer na definição de regras e políticas que poderiam reconduzir os recursos e a economia para finalidades como o emprego, o combate às desigualdades e o Estado social.
[...] A política e o futuro das sociedades faz-se de escolhas. Em democracia, as escolhas que são feitas à revelia dos cidadãos e contra eles não podem subsistir. Hoje, a grande maioria dos cidadãos, mais ao menos politizados, não consegue compreender, nem muito menos aceitar, que na agenda política dos que defendem democracia e justiça social não esteja um combate corajoso ao pacto de suicídio que nos é imposto pela União Europeia e pelo euro. Esperam que se trave esse combate, mesmo sabendo que ele é duro e impõe escolhas difíceis. Esperam que a canalização de dinheiros públicos, parcos e finitos, seja inseparável da exigência de contrapartidas que defendam o interesse público e as finalidades do Estado, não gastando mais um cêntimo que seja a arcar com prejuízos sem nunca ter acesso aos lucros. O nome disto pode ser desprivatização, socialização, popularização, comunitarização, nacionalização… Pode ser até nacionalização boa. Mas as esquerdas não podem ficar reféns de tabus."
Sandra Monteiro
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